‘Documento de Goiânia’ do Encontrão mostra as movimentações, os levantamentos de cada Curso e, ao final, as propostas aprovadas
Goiânia viveu momentos ousados e históricos em 1972.
Os estudantes do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás, diante das dificuldades enfrentadas pelos colegas de outras regiões, que não conseguiram viabilizar o primeiro encontro nacional, programado para a Bahia, assumiram esse compromisso e o promoveram na cidade.
Os tempos eram difíceis. Havia insegurança, medo. O regime militar implantado em 1964 reprimia fortemente qualquer ato político, debates públicos e eventos de opositores, com prisões, torturas e desaparecimento de lideranças estudantis, políticas, sindicais, religiosas etc. Existia, igualmente, o sentimento de que era preciso lutar, manifestar discordância diante da situação existente e posicionar frente aos problemas conjunturais e, mais especificamente, da educação.
Depois de participar de reuniões em outras regiões do país, quando eram discutidas as questões mais urgentes, os estudantes goianos decidiram dar sua contribuição a essa luta, para equipar os cursos, contratar professores com formação na área e criar condições para a melhor aprendizagem. Fundaram o Centro de Estudos de Comunicação (CEC), no âmbito da Universidade Federal de Goiás e começaram a atuar, promovendo estudos, debates e reflexões.
Com uma Universidade nova, sendo estruturada aos poucos e muitos problemas, sentiram a necessidade de inserir Goiás no debate nacional que se fazia e ampliar a participação. Mesmo considerando a pouca experiência que tinham, pois o CEC havia sido criado naquele ano, a complexidade que um evento dessa natureza representava, com problemas de toda ordem, e a violência do sistema de repressão, encararam esse desafio e foram em frente, de cabeça erguida.
Em pouco mais de 50 dias, um grupo reduzido, mas determinado, descentralizou o foco nacional das discussões estudantis e trouxe para Goiânia, correndo todos os riscos e enfrentando todos os obstáculos que se colocavam, o I Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação, *que apelidaram de *Encontrão. Que se tornou realidade no início de novembro daquele ano, quando Goiânia recebeu 300 estudantes, professores e jornalistas de todo o país para discutir os problemas da área e apresentar propostas de solução. Era a nossa contribuição à luta pela melhoria das condições de ensino e pela organização política dos estudantes.
Não foi fácil. Presidente do CEC e coordenador da Comissão Organizadora do evento, tive que me desdobrar para conseguir levar adiante a proposta. Éramos poucos, todos igualmente com muitas atividades, pois estávamos concluindo o curso naquele ano e buscando oportunidades no restrito mercado de trabalho. Não tínhamos tradição, tanto em discussões mais amplas, diante do número reduzido de estudantes do curso, como na organização de evento dessa magnitude, ainda mais num momento de muita tensão política.
Ingênuos e despreparados para a dimensão do encontro, o primeiro depois da intensa repressão policial às atividades e às entidades estudantis, passamos por circunstâncias diversas.
Uma delas aconteceu comigo. Lembro-me vagamente de um colega, vindo do Rio de Janeiro, que foi um dos primeiros a chegar, antes mesmo da data convencionada, e se dirigiu diretamente para a minha casa, no bairro de Campinas. Não tínhamos uma estrutura de apoio e nem como saber quem estava se apresentando. Bem falante e simpático, ele chegou, mostrou suas credenciais em nome de uma entidade estudantil daquele estado e logo se acomodou, enturmando-se com facilidade. Participava de tudo, dava opiniões e conquistou a todos. Já no segundo ou terceiro dia do encontro, a surpresa: alguém informa que ele tinha ido embora, sem se despedir. Nesse momento ficamos sabendo de sua identidade real: era um militar das Forças Armadas, enviado para espionar as atividades, suas lideranças, relatar as nossas ações etc., mas que, na convivência e no envolvimento que teve, conhecendo nossos propósitos, acabou por desistir de sua missão e voltar antes do fim do Encontrão.
Outra, referia-se aos carros da polícia que, vez por outra, passavam no entorno do Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, conhecido como Colégio Universitário (Colu), no Setor Universitário, que nos foi cedido para a realização do evento. Era uma intimidação, para informar que estavam por perto, mas não desceram, pelo menos os fardados. Sem farda é possível que tenham comparecido muitos.
Nos debates acalorados, alguns colegas aproveitavam o momento para todo tipo de protesto, nas mais diversas formas, causando certo desconforto aos organizadores, mas tiveram seu direito assegurado e levaram adiante suas reivindicações.
O Encontro foi positivo, abriu oportunidade ao diálogo franco e aberto, propiciou o conhecimento da real situação das universidades brasileiras naquele momento e serviu para a indicação das propostas de solução.
O ‘Documento de Goiânia‘, com as principais reivindicações levantadas no debate, foi entregue, pela Comissão Executiva Nacional Provisória, aos então ministro da Educação, coronel Jarbas Passarinho, e presidente do Conselho Federal de Educação, professor Roberto Santos, em audiências especiais no gabinete de cada um em Brasília.
Com a conclusão do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, deixamos a Universidade, não tivemos a partir daí nenhuma relação com a instituição, nem como acompanhar as providências adotadas, para saber o que foi feito. Também com relação ao Centro de Estudos de Comunicação não tivemos mais informações, sobre o fim que teve, o incipiente acervo que organizou e se teve sequencia.
Agora, 45 anos depois, é o momento de avaliar o que aconteceu na área, o que efetivamente mudou e quais resultados positivos foram alcançados nessa ousadia abraçada por Goiás.
De nossa parte, renovamos a confiança no trabalho realizado, o reconhecimento a todos que colaboraram e viabilizaram a iniciativa e a certeza de que lutar é preciso, importante e necessário.
Fizemos nossa parte, e agora, para uma avaliação de cada um, reeditamos o documento.