Goianira reconhece pioneirismo e iniciativas
de Maria Luíza Naves com título de cidadania
Na homenagem, o resgate do trabalho realizado e da história da cidade
Sessão histórica, resgatando uma das pioneiras na construção do povoado de São Geraldo e que muito contribuiu na estruturação e consolidação da cidade de Goianira, marcou a comemoração, pela Câmara Municipal, dos 60 anos de sua emancipação política. Criado pela Lei nº 2.363, de 9 de dezembro de 1958, o Município de Goianira foi instalado no dia 4 de janeiro de 1959, e registrou essa data realizando a sessão solene de entrega de títulos honoríficos de cidadania no Centro de Cultura e Convenções ‘Durval de Assis Pereira’ na noite do dia 22. Dentre os homenageados, o destaque ficou com a Sra. Maria Luiza Naves, que todos conhecem como ‘Dona Nenzinha’, 97 anos de idade: ela chegou àquele vilarejo aos quatro anos, em dezembro de 1925, e muito colaborou nas transformações ocorridas a partir de então na vida daquele lugar,em especial nas áreas da educação, da cultura e da assistência social.
A solenidade, coordenada pela vereadora Katia Tourinho, presidente do Legislativo goianirense e que propôs a homenagem a dona Nenzinha, foi prestigiada pelo prefeito Carlos Alberto Andrade Oliveira. Dentre os homenageados estavam o deputado federal reeleito João Campos, os deputados federais eleitos José Mário Schreiner e Glaustin da Fokus, e os deputados estaduais Bruno Peixoto, Eliane Pinheiro, Henrique César e Jeferson Rodrigues.
A Sra. Maria Luiza Naves foi ao palco para receber o título honorífico de cidadania acompanhada por cinco de seus nove filhos – José Osório, Raulindo, Maria Aparecida, Elvira Luiza e Jales, todos nascidos em Goianira. Jales, ex-presidente da Associação Goiana de Imprensa e membro vitalício de seu Conselho Deliberativo, foi indicado pelo presidente da entidade, Valterli Leite Guedes, para representar a AGI naquela cerimônia festiva.
Primeira mulher Subprefeita do povoado de São Geraldo, função que assumiu em 1941, então com 19 anos de idade – cargo para o qual voltou sete anos depois, só o deixando no nono mês de gravidez do quinto dos seis filhos que nasceram naquele vilarejo –, dona Nenzinha ajudou a escrever a história de Goianira. Criada pela avó homônima, Maria Luiza de Jesus (Vó Iza), pois a mãe morreu quando tinha dois anos, e que a levou ao se casar com o fazendeiro Francisco de Paula Ramos (Chico Rosa) justamente para o povoado que estava nascendo nas proximidades do córrego Boa Vista, ela passou um terço de sua vida nessa vila. Como eram poucos os moradores, ‘Vó Iza’ levou a primeira professora, Maria da Cruz, que morava em Trindade,para lecionar para as poucas crianças que ali residiam, dentre as quais Nenzinha, a caçulinha da turma.
Autor de livro sobre a história do povoado, o jornalista Jales Naves disse que sua bisavó era muito próxima de padre Pelágio Sauter em Trindade, onde morava e o acompanhava nas visitas de desobriga, para celebrações religiosas, como casamentos e batizados, e em função desse trabalho foi uma das pioneiras na construção de São Geraldo. Depois, quando se transferiu para o vilarejo, acolhia o sacerdote nessas viagens em sua casa, num sítio que ficava próximo à estrada para a antiga Capital, Vila Boa, onde atualmente está o Centro de Cultura e Convenções. Essa proximidade com o religioso alemão permitiu à neta, no início dos anos 1930, quando tinha uns 12 anos de idade, participar das cantatas que promovia na vila,incentivando-a nessas apresentações musicais.
Maria Luiza casou-se em São Geraldo, em 1938, com José Rodrigues Naves Júnior (Zé Navinho), escrivão do Cartório do Registro Civil, e os dois muito realizaram,a partir dessa união, pelo povoado. Foi dona Nenzinha, como Subprefeita, quem colocou o nome de Goianira no então distrito da Capital, por sugestão do marido, que o justificou como “Pequena Goiânia”,tinha as seis primeiras letras do nome da Capital e ainda era uma deferência a uma das primeiras professoras,Ana Martins de Lima, cuja filha de chamava Goianira. Foi Naves Júnior, como atuante vereador em Goiânia representando aquele distrito da Capital, que lutou e conseguiu a emancipação do município, em 1958, com o nome de Goianira.
Posteriormente, como Primeira-Dama da cidade, dona Nenzinha realizou um importante trabalho social, na assistência às famílias socialmente excluídas, em especial na área de saúde. Ao quebrar o protocolo da cerimônia, para confirmar essa ação de solidariedade, o vereador José Sebastião Caetano (Bedeco), 54 anos, do MDB, já no quarto mandato, emocionou-se ao lembrar de sua época de criança,quando seu pai, João Galego, foi contratado como jardineiro pelo então prefeito de Goianira, Naves Júnior, e dona Nenzinha o acolhia em sua casa, para lhe dar refeições. “Era uma mãe para todos, muito querida e admirada”, disse. Foi nesta gestão de ‘Zé Navinho’, que arborizou as ruas e praças, com a orientação do viveirista Herostato Ferreira de Melo, que Goianira ficou conhecida como ‘Capital das Flores”.
A rica trajetória da homenageada
Ao propor a homenagem à Sra. Maria Luíza Naves, a vereadora Katia Tourinho apesentou a seguinte justificativa:
A história da Sra. Maria Luíza Naves, carinhosamente tratada por Nenzinha, é um rico exemplo de vida, por tudo que ela tem sido e vivenciou em seus 97 anos comemorados neste 2018. Determinada, conselheira e amiga, é firme em suas ações e respeitada em suas decisões. Mãe carinhosa e presente cuidou e orientou os filhos para que estudassem e tivessem mais chances na vida. Esposa dedicada e atuante foi presença constante ao lado do marido em todas as suas atividades, em especial as religiosas e políticas. Destacou-se pelo trabalho social em São Geraldo / Goianira, onde morou por 26 anos, e no bairro de Campinas, ali residindo por 50 anos, trabalhando no resgate da cidadania das famílias de baixa renda. Simples e discreta, é presença marcante e solidária.
Dedicou toda a sua vida à família – o marido, os 10 filhos, os netos, os bisnetos e os irmãos, além dos afilhados que foram morar em sua casa até a independência financeira. Sempre justa e carinhosa,trata a todos com igualdade e espírito de justiça. Católica praticante frequenta a missa aos domingos e participa das atividades sociais da Igreja. Com o marido, atuou na Sociedade de São Vicente de Paulo, no apoio às famílias pobres. Prática, em questões de saúde prefere as misturas caseiras, como o álcool com arnica e ânfora (álcool canforado), que produz apenas na Semana Santa e distribui, em garrafas, para os filhos e amigos mais próximos. Os netos costumam dizer que o álcool “é milagroso, serve para curar tudo”.
Foi a primeira mulher a ocupar a Subprefeitura do então distrito de São Geraldo, em 1941, com apenas 19 anos de idade, num claro reconhecimento ao seu ativo papel na sociedade. Voltou a ocupar o cargo em 1947 e ficou na função até o nono mês de gravidez do quinto filho que teve em Goianira. Quando Primeira-Dama, na gestão de seu marido, Sr. José Rodrigues Naves Júnior, na Prefeitura de Goianira (1970-1972), realizou importante trabalho na área social.
Goiana de Trindade, Maria Luíza nasceu no dia 25 de julho de 1921, filha da mineira Maria de Araújo Oliveira e Silva (Preta) e de Osório Carlos da Silva – seus avós maternos, Carolina Cândida de Oliveira e Cesário de Paula Araújo, vieram de São Gotardo, Minas Gerais, e seus avós paternos, Maria Luíza de Jesus (Vó Iza) e Laurindo Camargo da Silva, nasceram na mesma região que ela,possivelmente na fazenda Barro Preto. Seus pais se casaram em Trindade, no dia 7 de dezembro de 1916, e tiveram quatro filhos: José Heinzelmann e Eliza foram os primeiros; a quarta e última morreu ainda bebê. Ela pouco se lembra da cidade natal. Sua mãe morreu em agosto de 1923, de febre espanhola. Ela e a irmã mais velha, Eliza, então, foram morar com a Vó Iza, que era viúva.
Vó Iza voltou a se casar no dia 21 de dezembro de 1925, agora com Francisco de Paula Ramos, que decidiu construir uma nova casa na praça do povoado que surgia na fazenda Boa Vista e, pronta, para aqui se transferiram. Acompanharam o casal as duas netas e a jovem Benedita Olinda dos Santos – uma morena bonita e alegre, que cuidava delas desde quando moravam com a mãe e ficou lá até se casar com Benedito Augustinho, com quem teve dois filhos: Adão e Eva; e voltou a morar com eles depois que se separou.
O lugarejo para onde se mudaram se chamava São Geraldo, ficava no então município de Campinas e não tinha ruas, apenas a estrada que ligava à antiga Capital do Estado, Vila Boa. Ali, havia poucas casas, a igrejinha, a vendinha da Sinhana do Josias Januário – que tinha pinga, cerveja morna, rosca, broa de fubá, pipoca de polvilho e biscoito de queijo – e a lojinha de tecidos do Jorge Abrão Sus.
A primeira casa onde moraram era espaçosa: sala, salão, três quartos, cozinha e quintal enorme; depois se mudaram para a casa na região mais baixa; e de lá foram para a chacrinha, que também tinha uma área com muito espaço, além da despensa grande. Ali,criavam porcos, para consumo, e uma vaca leiteira. Maria Luíza aprendeu a costurar com Vó Iza, que se dedicava a fazer roupas para os amigos – as pessoas levavam o tecido e ela fazia calças, camisas e paletós – e fiar o algodão; ela cumpria todo um ritual: colhia o algodão no quintal, limpava, descaroçava,cardava, transformava em fio, tingia os novelos de cores diferentes e se instalava no tear, até a noite, para tecer as cobertas. A rendada família vinha da produção de tecidos. Também com a avó aprendeu a cozinhar: uma vez por semana preparava o forno de lenha,que ficava no quintal, para fazer roscas e biscoitos, que guardava no balaio, para serem servidos durante a semana.
A avó também cuidava da Igreja, acolhia e acompanhava os padres redentoristas, entre os quais o padre Pelágio Sauter, em suas visitas de desobriga, e dava assistência aos enfermos e aos pobres.Numa dessas viagens padre Pelágio mandou colocar a imagem de São Geraldo num rancho de palha, transformado em capela, na entrada do povoado – na estrada para a antiga Vila Boa, e onde hoje fica a Vila Padre Pelágio –, para onde seguiam, em procissão. Numa dessas procissões, da qual as irmãs Eliza e Maria Luíza participavam, houve uma briga. Vó Iza fazia a janta quando chamou Benedita e pediu para buscá-las; na correria, só se via o cabelo delas balançando.
Em 1932 seu pai, Osório, que morava em Trindade, mudou-se para o povoado de São Geraldo, que ajudava a construir quando foi convida do pelo prefeito de Campinas, Licardino de Oliveira Ney, para ocupar o cargo de Sub-Promotor de Justiça, assumindo em 1933. Muito ligado ao povoado lutou pela criação do Distrito, fazendo o anteprojeto e reunindo os vereadores, que o aprovaram. Sancionada a lei, levou Licardino a São Geraldo, para a instalação do Distrito, em 1935. Em seguida, mudou-se para Campinas, sendo nomeado Procurador do Município.
Com a criação de Goiânia e a incorporação de Campinas à sua área territorial, São Geraldo passou a pertencer à nova Capital. Osório era auxiliar do primeiro prefeito de Goiânia, Venerando de Freitas Borges. Na época, conheceu o seu futuro genro, José Rodrigues Naves Júnior (Zé Navinho), que também trabalhava na Prefeitura goianiense. Ficaram amigos e numa de suas conversas Osório disse-lhe que o Cartório de Registro Civil de São Geraldo, com a saída do titular, Calimério Bretas, estava vago. Com dinheiro emprestado pelo irmão, Raul Naves, Zé Navinho comprou o Cartório e mudou-separa o lugarejo, assumindo-o em 15 de novembro de 1936. Em 27 de agosto de 1937 ele foi nomeado para o cargo de Sub Prefeito; em dezembro daquele ano, diante da incompatibilidade das duas funções,optou por continuar Escrivão Distrital.
Nos anos 30, São Geraldo tinha apenas aulas irregulares, que duravam o tempo de permanência do professor no povoado, às vezes dois, quatro ou seis meses. Maria Luíza e a irmã tiveram quatro professores: Teresina de Morais, que tinha uma porção de alunos; Maria da Cruz; Benedito; e Lindolfo, irmão do Josias Januário da Silva. Teve aulas com os quatro antes do casamento.
Maria Luíza Neta e José Rodrigues Naves Júnior casaram-se no dia 23 de abril de 1938, em ato celebrado pelo juiz distrital, Antônio Bueno Teles. Funcionou como Oficial do Cartório do Registro Civil “adhoc” Gil Augusto Lino; o registro de casamento recebeu o n° 49. Testemunharam o ato o tenente-coronel Arnaldo de Moraes Sarmento e o professor Venerando de Freitas Borges, com sua mulher, Maria.
Moraram primeiro numa casa próxima à praça da Igreja, que mais tarde doaram para os Correios, onde nasceram os filhos José Osório e Raulindo Heinzelmann. Na época, participavam das festividades religiosas, como noveneiros; e promoviam torneios esportivos, movimentando o lugarejo com diversas atividades. Nesse período, Maria Luíza foi nomeada Subprefeita do Distrito, marcando sua passagem com iniciativas nas áreas da saúde, educação e assistência social e por ter dado o nome de Goianira à vila.
Depois, o casal foi morar na chácara Quinta da Boa Vista, próximo à estrada para a antiga Capital, que ficava numa área em declive. Acasa tinha seis cômodos, além da despensa e do banheiro, sendo duas salas, três quartos e uma cozinha, com área interligada, todos com amplas janelas. Numa das salas (a da frente) ficava a mesa com o rádio e na outra uma máquina de costura. Um pequeno motor fornecia luz para a casa. No quintal, uma variedade de plantas frutíferas: lima-de-bico, ameixa-amarela, laranja, mexerica, manga, muita goiaba e coqueiros. Próximo à casa, o curral, com um pequeno paiol. Ali nasceram Maria Aparecida e Elvira Luíza. Nesse período integrou-se à família, como filho, o sobrinho afilhado José. Como seu pai, que falecera, se chamava João, ganhou o apelido de JoséJoão. Todos o acolheram com carinho e atenção. A terceira residência foina Praça, onde nasceram os filhos Sevan e Jales.
Em 1945, Maria Luíza participou, com o marido, em São Geraldo, da criação do primeiro Diretório Distrital da União Democrática Nacional (UDN). Dois anos depois, já no período da redemocratização, teve atuação intensa na eleição do seu marido para o cargo de Vereador do Município de Goiânia, pela UDN. Foram 160 votos, quando ele passou a representar o distrito na nova Capital. Em 1950, Zé Navinho elegeu-se Presidente da Câmara Municipal e, no final do ano, foi reeleito Vereador. No ano seguinte reelegeu-se Presidente do Legislativo goianiense e deu posse ao novo prefeito, Venerando de Freitas Borges, que fora seu padrinho de casamento.
Nesse ano, preocupados em oferecer mais oportunidades aos filhos, eles se mudaram para Goiânia, onde nasceram as filhas Fátima Rosa, Regina Cândida e Eliza Mônica. Essa casa, na Av. Rio Grande do Sul, no bairro de Campinas, teve uma importância ainda maior, na medida em que se tornou um ponto de apoio para reflexões políticas; ali, o casal recebia políticos que estavam começando e, mais tarde,tiveram projeção, estadual e nacional.
A casa serviu de referência, também, para a juventude goianiense, que ali se reunia, encontrando no casal apoio e segurança em suas iniciativas, tanto políticas como sociais. A juventude da época cresceu passando por ali. A casa e o casal davam apoio, ainda, apessoas e famílias de Goianira e localidades vizinhas, que iam à Capital em busca de assistência médica e de oportunidades de estudo e de trabalho, para localização de pessoas e, como a maioria era pobre, para se alimentar. A casa estava sempre cheia e a todos dava toda atenção; para os doentes, conseguia internação, em especial na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, onde manteve excelente relacionamento com os médicos, pessoal paramédico e demais servidores, dando solução aos casos que lhe eram encaminhados.
Morando na Capital, Naves Júnior continuou lutando pelo Distrito. Nem a forte oposição dos adversários, ligados ao Governo do Estado, foi suficiente para barrar a sua luta pela emancipação do Distrito, oque ocorreu em 1958. O município foi instalado em janeiro de 1959 e ele o orador oficial da cerimônia. Em seguida, Naves Júnior elegeu-se Vereador por dois mandatos em Goianira e Prefeito da cidade; como Primeira-Dama, Nenzinha deu ênfase à assistência social, implantando a Maternidade Maria Luiza, em homenagem à sua avó, que fora, em vida, responsável pelo nascimento da maioria das pessoas e pelo socorro aos enfermos daquele local e lugarejos vizinhos.
(História extraída do livro “São Geraldo / Goianira – O surgimento do povoado e a trajetória de pioneiros. Documentos registram a construção do distrito e da cidade”, do jornalista Jales Naves. Goiânia, Editora Naves, 2018)