Joãozinho Cinegrafista

Um  cidadão honesto, trabalhador, solidário, que sempre levou a sério seus compromissos e suas responsabilidades, ao ponto de ter sua saúde seriamente prejudicada quando ia cumprir mais uma pauta na sua longa jornada de trabalho, pelo interior goiano. Assim é João Araújo Filho, goiano de Palmeiras de Goiás, jornalista, viúvo, 55 anos, profissional competente, a quem a vida pregou muitas peças e ainda continua pregando. Tem sido uma vida sofrida desde a infância: não conheceu os pais – a mãe, Odília Pereira, morreu em seu parto, e o pai, João Araújo, sem condições de criá-lo, entregou-o aos padrinhos, Josias de Carvalho e Joana Gomes de Carvalho, e faleceu logo em seguida. A nova família o acolheu com todo carinho e respeito, e ele pôde seguir a trajetória de toda criança pobre: sem condições de freqüentar a escola, diante das dificuldades da vida, parou no ginasial. Começou a trabalhar ainda muito jovem, agarrando cada chance que surgia: engraxate, jornaleiro, tratador de galo de rinha, auxiliar em oficina mecânica e outras pequenas atividades.

A primeira oportunidade de trabalhar com carteira assinada – que lhe garantiria organizar a vida, constituir sua família e ter unia aposentadoria digna ­–, foi abraçada com entusiasmo e dedicação. No dia 21 de setembro de 1970, graças à interferência de seu cunhado, Osvaldo Marques Viana, foi admitido como auxiliar de escritório na Rádio Jornal Brasil Central, que integrava o Consórcio de Empresas de Radiodifusão e Notícias do Estado (Cerne).

Inteligente, interessado e sempre ajudando os colegas, foi incentivado por seu conterrâneo, Marcondes Pereira Leal, que chefiava a Agência Goiana de Notícias (AGN), igualmente integrante do Cerne, e no ano seguinte passava à condição de motorista, acompanhando as equipes de jornalismo da AGN nas coberturas jornalísticas pelo interior de Goiás e depois as da TV Brasil Central, que também compunha o Cerne.

Disciplinado, logo aprendeu as técnicas, e no final de 1973 conquistava o direito de ser repórter cinegrafista. As viagens eram normalmente longas, em Kombis velhas, por estradas esburacadas, e nessa rotina conheceu todas as cidades goianas. Em 1976 conseguiu, na Delegacia Regional do Trabalho, o registro de jornalista profissional.

O Cerne passou a ser a sua segunda casa e ali foi crescendo profissionalmente, ampliando o círculo de amizades, seus relacionamentos e logo já estava namorando uma colega de trabalho, Maria Terezinha de Oliveira, contabilista, com quem se casou em março de 1977. Eles tiveram três filhos: João Henrique, o mais velho, que nasceu em maio de 1978, seguiu os passos do pai e hoje é cinegrafista da TV Brasil Central; Marcos Paulo, o do meio, acompanhando a mãe, formou-se em Ciências Contábeis pela Faculdade Anhangüera e é auditor; e a mais nova, Ana Paula, conclui este ano o Curso de Pedagogia pela Universidade Católica de Goiás.

No dia 27 de dezembro de 1989, numa dessas viagens ao interior, a sua vida sofreu uma guinada sem retorno, quando integrava, como cinegrafista, a equipe de reportagem da TBC que iria a  Ipameri e Campo Alegre realizar um trabalho jornalístico sobre lavoura irrigada nesses dois municípios, conforme registrou o jornal “O Popular” em sua edição do dia seguinte. Próximo à cidade de Luziânia, na estrada que dá acesso a Vianópolis, o veículo, uma Caravan, teve as rodas travadas, perdeu a direção e caiu num barranco, capotando várias vezes. Dos quatro integrantes da equipe, Joãozinho foi o mais atingido, sofrendo traumatismo crânio-encefálico; levado para a UTI do Hospital de Base de Brasília, ali permaneceu por vários dias em coma, e passou por diversas cirurgias; quando acordou, teve amnésia, não se lembrando de nada, nem dos familiares.

Quando, muitos dias depois, ia ser transferido para Goiânia, para continuar o tratamento mais perto da família, descobriram que estava com cinco costelas quebradas.

Companheira de todos os momentos e que lhe deu toda força, Tereza teve papel fundamental em sua recuperação, em especial da memória. Mas o destino pregou-lhe outra peça e, pouco mais de três anos depois, tirava de sua convivência a sempre presente e forte Tereza, acometida de câncer. Nessa situação delicada, restaram-lhe os três filhos, menores, e a ajuda dos parentes próximos e dos amigos.

Não se recuperou integralmente. Voltou a trabalhar, mas algum tempo depois a saúde piorou e as licenças médicas se sucederam.

Com base em laudo da médica nefrologista Luciene Martins de Oliveira Niz, da Clínica de Hemodiálise São Bernardo, seus filhos entraram no final de 2003 com um pedido de aposentadoria por invalidez. Com base no laudo, alegaram que ele estava hipertenso, com perda da função renal, dependente de terapia, fazendo hemodiálise três vezes por semana, com duração de quatro horas, em ambiente hospitalar, por tempo indeterminado. A Gerência de Saúde e Segurança do Servidor, da Agência de Administração do Estado (Aganp), formou uma junta médica para analisar o pedido; os médicos peritos Fábio G. Pinheiro de Lemos, Rogério Álvares de Faria e Jesus Saavedra Lopez realizaram exame pericial especializado, para aposentadoria por invalidez, e concluíram: “As alterações morfopsicofisiológicas causadas por esta doença são determinantes de incapacidade laborativa total e permanente, impossibilitando-o definitivamente de exercer as funções inerentes ao cargo que ocupa no Setor Público Estadual”.

O documento, assinado inclusive pela médica Tatiane Pontes, gerente de Saúde e Segurança do Servidor, teve tramitação normal, até esbarrar nos burocratas da Procuradoria Geral do Estado. Sem analisar o caso e a sua gravidade, apenas se baseando no rigor da legislação, opinaram pelo indeferimento. Sugeriram que ele se aposente não pelo Ipasgo, para o qual contribuiu durante toda a sua vida profissional e até hoje continua contribuindo, e sim pelo INSS, para o qual nunca contribuiu em todo esse período. Neste caso, representará uma redução de seu salário para 30 por cento do valor atual.

A concessão de sua aposentadoria pelo Ipasgo é um ato de justiça e de reconhecimento do direito, e não de se criar um privilégio, como tantos que vemos sistematicamente.

Por isso o governador Marconi Perillo, sensível como tem se mostrado, deverá ficar atento a esse detalhe e não seguir a orientação legalista de seus auxiliares da Procuradoria Geral do Estado. Afinal, esses assessores, no afã de agradar o governante, impõem aos funcionários mais simples o rigor da lei, sem conhecer a especificidade de cada caso; insensíveis com os outros, estão sempre lutando para ter isonomia com os maiores salários do Estado, como a imprensa tem registrado com periodicidade.

É hora de justiça, de reconhecer o valor e o trabalho de Joãozinho, o cinegrafista que todos aprendemos a respeitar e a admirar como profissional, como ser humano sensível, alegre e sempre solidário, que nunca pediu nada e muito lhe tem sido negado, principalmente por aqueles que não o conhecem e pouco se importam com o seu destino.

(*) Artigo publicado no “Jornal Opção“, de Goiânia, GO, edição de 6.11.2005, p. A-46 / Opinião.

1 thoughts on “Joãozinho, o cinegrafista

  1. Embora muito nova foi como reviver os dias de angustia sofridos pelos familiares e amigos em cada um desses acontecimentos ….. um casal forte que construiu uma família incrível!! Uma pena que a burocracia deste país sempre atrapalha quem mais precisa …. como sempre um absurdo sem fim!!!

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