O Instituto Histórico e Geográfico de Goiás está se tornando o grande centro de discussões sobre a Capital goiana, trabalho que se amplia com o lançamento do livro “Goiânia, 90 anos”, no dia 2 de maio, às 9h, em sua sede, como tem destacado a cor rosa, original em sua primeira sede, agora resgatada, e que também ilustra a bonita capa da nova obra a ser lançada. No evento, será prestada homenagem, in memoriam, ao jornalista Batista Custódio dos Santos, que fundou e dirigiu os jornais “Cinco de Março”, semanário, e “Diário da Manhã”, cuja coleção foi doada à hemeroteca do IHGG, por interveniência do jornalista Valterli Leite Guedes, presidente da Associação Goiana de Imprensa; Batista, que faleceu em 2023, aos 88 anos, e o filho Júlio Nasser serão diplomados pelo Instituto em reconhecimento do mérito pela profícua parceria com a entidade.
Organizado por Eliézer Cardoso de Oliveira, Jales Guedes Coelho Mendonça, Nasr Fayad Chaul e Nilson Jaime, o livro contou com a participação de 17 autores de artigos e faz uma reflexão sobre a história de Goiânia, quando se comemoram os 90 anos de sua existência. A obra teve origem no simpósio realizado nos dias 18, 19 e 20 de outubro de 2023, em dependências do IHGG, quando se aproveitou para promover uma reflexão histórica sobre a nonagenária cidade.
Dos participantes do seminário, alguns são membros do Instituto, outros são professores universitários, ativistas culturais e técnicos em planejamento. “Todos são reconhecidos pela atuação e produção de uma análise sobre algum aspecto de Goiânia”, explicaram. Os autores dos artigos foram divididos em dois grupos: os que atuaram e os que pesquisaram. Os primeiros testemunharam aspectos importantes da história da cidade e relataram, na primeira pessoa, o seu testemunho; os segundos, mergulharam em arquivos e na bibliografia existente para produzir uma interpretação crítica. “Por isso, o livro tem o melhor dos dois mundos: artigos com rigor acadêmico e testemunhos de grande riqueza cultural”.
História e injunções políticas
Dividido em três partes, na primeira, denominada “História e Injunções Políticas”, o livro aborda os aspectos históricos de Goiânia levando-se em conta os interesses e pressões políticas que marcaram o advento da cidade. O artigo do professor Itami Campos, “Higienismo, intervenção médica e mudança da Capital”, demonstra o quanto o higienismo, muito presente no Brasil do início do século XX, serviu como justificativa ideológica para a mudança da capital. No artigo seguinte, o historiador Jales Guedes Coelho Mendonça, refletindo sobre “Os 10 anos do livro A Invenção de Goiânia: o outro lado da Mudança e os rastros do genocídio cultural”, passa em revista as hipóteses esquadrinhadas em sua obra e analisa a situação da Cidade de Goiás após a transferência dos poderes, sobretudo diante da remoção de suas principais instituições educacionais e dos funcionários públicos para Goiânia.
Destaque especial foi dado ao suporte logístico fornecido por Campinas, uma cidade centenária que depois se tornou um dos mais tradicionais bairros da capital. O pesquisador Antônio César Caldas Pinheiro, no artigo “Campinas, a Igreja e Goiânia”, mostra o apoio dos padres Redentoristas, abrigados em Campinas, ao projeto de construção de Goiânia, atitude que contrastava com a do bispo, dom Emanuel Gomes de Oliveira, ressentido pela rejeição de Bonfim (atual Silvânia). Em sua reflexão, o escritor Itaney Francisco Campos, autor do artigo “Goiânia: os impactos de sua criação em Campinas”, realça os aspectos históricos da cidade que voluntariamente se ofereceu para ser “canibalizada” para que a nova Capital pudesse existir. No artigo “Goiânia, entre o racionalismo da técnica e o pragmatismo da política”, o professor Eliézer Oliveira detalha que decisões aparentemente técnicas, como a deliberação sobre o local para edificação da cidade e a definição do nome “Goiânia”, além da escolha do dia 24 de outubro para lançamento da pedra fundamental, escondem interesses políticos que acabaram reafirmando o domínio de Pedro Ludovico Teixeira. Encerrando a primeira parte, o artigo do jornalista Iuri Rincon Godinho, “O irresistível progresso de Goiânia na primeira metade dos anos 1950”, mostra o quanto a década de 1950 foi decisiva na configuração sociológica da cidade, servindo de transição de uma “cidade provinciana”, vigente até os anos 1940, para uma “metrópole moderna” que ganha corpo a partir da década de 1960.
Urbanismo e arquitetura
A segunda parte do livro é constituída de artigos que abordam temas relacionados ao urbanismo e arquitetura. O primeiro, da escritora Elizabeth Caldeira Brito, intitulado “A arquitetura e o urbanismo goianienses na poética produzida em Goiás”, faz uma simbiose entre poesia e urbanismo, ao mostrar como a cidade de pedras e alvenaria foi representada poeticamente por palavras. No artigo “Goiânia pré-moderna e aspectos do planejamento: Planos Diretores de 1960, 1970 e 1980” a arquiteta Jacira Rosa Pires compartilha suas experiências de atuação no planejamento urbano da cidade, acompanhando ou participando da elaboração de seus planos diretores. Um olhar testemunhal também aparece no artigo “Goiânia, cidade bem nascida: convivência com Goiânia desde a infância”, da escritora Narcisa Abreu Cordeiro, que acompanhou de perto a evolução histórica da cidade, atuando como arquiteta, professora universitária e autora de livros de referência sobre a capital estadual. Finalizando, o artigo “Marcos da arquitetura em Goiânia (1930-1980)”, produzido pelos escritores Eurípedes Silva Neto e Lenora Barbo, demonstra que a arquitetura de Goiânia não se resume ao Art Déco, já que a predominância de edifícios de estilos ecléticos perpassa também pelo neocolonial, o modernismo e o pós-modernismo.
A terceira parte do livro aborda os elementos culturais e estéticos de Goiânia. O historiador Nasr Chaul, no artigo “Goiânia, 90 anos”, faz um balanço da complexa identidade goianiense, uma capital moderna construída num sertão arcaico para ser a imaginação utópica de uma geração entusiasmada com a Revolução de 1930. Essas mesmas contradições culturais são perquiridas, ainda que de forma diferente, pelo professor Eguimar Chaveiro, no artigo “As culturas em Goiânia: enraizamento, tensões e travessias”, no qual mostra as tensões culturais goianienses, que podem ser visualizadas numa família imaginária, cuja mãe é católica; o pai, imigrante; a filha, evangélica; o marido da filha, policial; e o irmão, um usuário de drogas. Uma das características culturais mais visíveis da capital goiana é o vigor da música sertaneja, mas o professor Marshal Gaioso demonstra, no artigo “A cena musical goianiense e a banda Nilo Peçanha do Instituto Federal de Goiás”, que o mundo da música em Goiânia é bem mais complexo, com a presença de vários ritmos, variando do rock à MPB, das orquestras sinfônicas às bandas musicais. Um pouco dessa riqueza musical pode ser vislumbrada no artigo “A gênese dos festivais musicais de Goiânia”, do publicitário Hamilton Carneiro, que aborda, a partir da experiência do autor como jurado e participante, os festivais musicais que consagraram grandes nomes de cantores goianienses. A riqueza das expressões culturais de um lugar pode ser mensurada a partir da sua produção literária. Goiânia, a cidade que tem nome de livro, foi o celeiro de grandes escritores de destaque nacional. No artigo “A cultura erudita em Goiânia: o teatro de Miguel Jorge”, o escritor Ademir Luiz analisa a peça ‘Ah, Shakespeare, que falta você me faz’, considerando-a como exemplo da cultura pós-moderna e cosmopolita vigente na cidade, capaz de dialogar de modo criativo com as produções clássicas da literatura mundial.
Fechando, o presidente do Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis para os Povos do Cerrado, Nilson Jaime, com “O cronista e historiador Bernardo Élis, arquétipo de um cidadão geral que adotou a erma Goiânia”, fala de ancestralidade e a obra do imortal da ABL, e analisa uma crônica sobre a mudança da Capital.