Edna Naves e Américo de Oliveira
O comércio de mercadorias no início do século XX em Goiás, em especial quando a estrada de ferro chegou pelo sudeste e começou a adentrar por aquela região, parando uns tempos em Pires do Rio, teve nos carreiros o principal contato a partir daí, tanto na importação quanto na exportação dos mais variados produtos. Os trens traziam sal, querosene, açúcar, tecidos etc., que eram despachados para os mais diversos rincões, em especial para a antiga Capital, Vila Boa, e levavam de volta, para os grandes centros, o que era produzido naquela época: banha de porco, carne de porco enlatada, arroz, feijão etc.
O carro de boi era um veículo apropriado para vencer as dificuldades do percurso, a falta de estradas transitáveis, exigindo paciência e cuidados especiais, e as grandes distâncias daqueles tempos.
João Américo Ferreira de Oliveira, que chegou a ter dois carros, puxados por 12 bois cada, foi um dos carreiros que fizeram essa rota. Mineiro de Dores do Indaiá, nasceu no final do século anterior e suas atividades em Goiás começaram quando se mudou para Corumbaíba, GO, onde conheceu Ana Luíza das Dores (Dona Fiica), da vizinha cidade de Nova Aurora, GO. Os dois se casaram em 1917 e se fixaram em Corumbaíba, ali nascendo três filhos. Como a família estava crescendo logo surgiu a ideia de buscar novos rumos, e quem tomou a iniciativa foi Ana Luíza, que convenceu o marido, chamou os seus irmãos José Pires, Lindolfo e Nego Pires e decidiram se mudar daquela região.
A primeira providência foi comprar uma área e o local escolhido foi no então município de Campinas, a fazenda Boa Vista, na divisa com Deocleciano Pinto, Sebastião Prado e outros, para onde se transferiram em 1925. A partir daí esse grupo familiar foi se estruturando, passando a cultivar a terra, a tocar lavouras e a criar gado, ao mesmo tempo em que se entrosava com os vizinhos, participava das reuniões e festividades e foram se unindo.
João Américo enxergou uma oportunidade de negócios ao se localizar entre a então estação de trem, em Pires do Rio, passando por Grimpas e Pouso Alto, e a antiga Capital, com uma parada em Curralinho e em pequenos povoados existentes. Levava, para Vila Boa, grande parte das mercadorias que chegavam nessa cidade do sudeste goiano. Organizou-se, montou seu carro de boi e decidiu fazer esse trajeto. Levava os produtos da região, basicamente agrícolas e suínos, e trazia os industrializados, em viagens que duravam, em média, 45 dias, enfrentando chuvas e os perigos dessa região ainda pouco habitada e com animais silvestres.
Essas viagens continuaram até quando teve condições de conduzi-las, tendo falecido em 1946.
Dona Fiica sempre participou de todas as atividades. Tecelã, trabalhava no tear na produção de tecidos para a fabricação de calças e cobertores. Ela teve seis irmãos: Lindolfo; Olímpio, casado com Paulina de Paula Ramos; Joaquim Pires, que ficou em Trindade; Custódio; Placidina Luiza dos Santos, que se casou com José de Paula Ramos (Zé Rosa); e Madalena, casada com Amado, irmão do Cesoste.
Os três irmãos de João Américo permaneceram em Corumbaíba: José, Maria Isabel e Teodomira.
O neto Antônio Ranulfo de Oliveira traçou o perfil de cada um deles:
Quando se casaram, dona Fiica já era viúva e tinha uma filha, Margarida, que os acompanhou nessa mudança, e se casou posteriormente, em Trindade, com José Carlos Rabelo. Em Corumbaíba nasceram três filhos – Eulália, Maria Luíza e Américo Ferreira de Oliveira. Outros seis nasceram em São Geraldo: Isabel, Antônio Ferreira de Oliveira, conhecido como Serrinha; Adolfo, Teodomira, Ana Luíza e Onofra.
Eulália casou-se com Antônio de Paula Ramos (Antônio Rosinha), e tiveram duas filhas: Mariza de Paula Ramos, que trabalha na Universidade Federal de Goiás, e Marilda, que se casou com Sebastião.
Maria Luíza casou-se com Pedro de Paula Ramos (Pedro Rosa), agricultor, que tinha oito alqueires em Barreiro, plantando arroz, feijão, milho e cana-de-açúcar, que produzia rapadura. Andava sempre com uma espingarda nas costas. Eles tiveram oito filhos: Aduir de Paula Ramos, Adair de Paula Ramos, Dorivaldo José de Paula, Ana Maria de Oliveira, Maura Lázara de Paula, Dauro Francisco de Paula, Benedito de Paula Ramos e João Américo de Paula. Todos ajudaram na fazenda. Dorivaldo casou-se com Maria Gonçalves de Oliveira e tiveram duas filhas: Adriana de Paula Ramos e Cláudia Gonçalves de Paula.
Bom de conversa e sempre disposto a ajudar, Américo encontrou sua futura mulher, Edna Veloso Naves (Tita), num desses momentos fortuitos. Vendedor de gado da raça Gir, chifrudo, que adquiria em Uberaba, MG, com documentação – iniciou suas atividades comprando gado para revenda, formando boiadas para levar para São Paulo, em especial para Barretos e Araçatuba, e trabalhando para o primo Elizeu Machado, igualmente nessas transações com gado –, ele levou uma boiada para Edenval Caiado na região das Tesouras, município da antiga Capital. Hospedou-se na pensão em que, coincidentemente, ela estava com seus familiares, vindos de Araguari, MG, com mudança, num caminhão, em busca de uma fazenda para comprar e se fixar.
À noite, no refeitório, ele ouviu a conversa dos familiares dela, de que não tinham gostado das fazendas que olharam e pensavam em seguir viagem, e decidiu participar. Apresentou-se e indicou um lugar que achava ideal, onde já morava, com terras férteis e muita água, a região da Mangueira. A sua prosa convenceu os viajantes, que decidiram retornar e conhecer a área sugerida, onde acabaram se instalando.
Logo Américo e Edna já se entendiam e a união do casal não demorou. Um lutador, bem-falante, que já se consolidava como mascate de touros, ele havia feito muitas amizades entre os grandes criadores de Uberaba, de marcas famosas, como a “R”, trazia lotes de 30/40 animais para revenda na região e nos municípios vizinhos, como Novo Brasil, Jussara e Anicuns. Ela mostrou-se uma dona de casa muito trabalhadeira, que lavava, passava e cozinhava, e uma mãe amorosa, que cuidava dos filhos, que começaram a chegar, de 1944, a 1959, um atrás do outro, até completar 12, em 15 anos. Sete homens e cinco mulheres – Lourdes Abadia, Antônio Ranulfo, Vanda José, Robério Goiano, João Américo, Urias José, Ednamérico Tadeu, Maria Elizabeth, Roberto Gaspar, Cinira Fátima, José Jorge e Valdete. “Nunca vi uma mulher que trabalhasse tanto quanto ela”, destacou o filho João Américo.
Moraram na Fazenda Boca da Mata, onde nasceram os cinco primeiros filhos, e depois compraram a Fazenda Mangueira. Como a família era grande, foram envolvendo os filhos nas mais diversas atividades, todos ajudando o pai a carrear bois – os pequenos, como não davam conta de andar a pé, iam a cavalo. João Américo lembra de ter viajado com o pai para a venda de gado em vários municípios, e de um episódio que ficou gravado em sua memória: tinha uns sete anos de idade quando esteve na fazenda do Zé Chico levando uma boiada. O pai explicava que os animais eram mansos e que dava para andar neles, quando o fazendeiro o pegou e o colocou no lombo de um boi, aparentemente manso, que se coçava e se assustou, dando três saltos, que jogaram João Américo no chão. Felizmente, nada de grave aconteceu.
Um acidente, quando caiu do cavalo, de barriga, em cima de recortes de madeira, marmelada, que perfuraram seu abdômen, mudou sua rotina: levado às pressas e internado no hospital do dr. James Fânstone, em Anápolis, GO, ficou seis meses em tratamento. Uma ajuda fundamental aconteceu por acaso: em visita àquela unidade médica, o cunhado João Veloso Naves soube que ele estava precisando, com urgência, de penicilina, que mandou buscar em Goiânia, o que ajudou muito na sua mais rápida recuperação.
Recuperado e não podendo fazer esforço físico, Américo começou nova atividade: montou uma pequena venda, que oferecia, além de produtos diversos, alguns que eram proibidos nos armazéns bem servidos do fazendeiro Manoel Pires da Costa, como cachaça. Depois, voltou a comprar gado, passando a vender tourinhos, uma espécie de mascate, também juntando esses animais que repassava para Elizeu Machado.
Tita sempre foi uma mãe presente, rigorosa na educação dos filhos, queria que todos estudassem para ter uma vida melhor e cobrava deles, e desde cedo os acompanhou nos estudos. Primeiro, na escola na fazenda do Alfredo Osório, com a tia Ana Luíza.
Os filhos nunca viram os pais discutindo. O casal era muito entrosado, dividindo tarefas e responsabilidades. Ele matava um porco pela manhã e já na parte da tarde ela tinha feito os cortes e preparado as carnes e a banha, colocando tudo nas latas, e armazenado.
Isabel casou-se com José Lourenço da Silva e tiveram quatro filhos: Antônio João da Silva, médico; Maria Lúcia, casada com Armando, professor da Escola Técnica Federal de Goiás, da Universidade Católica de Goiás e do Colégio ‘José Lobo’; José Jorge Lourenço da Silva, que mora nos Estados Unidos; e Sílvio Lourenço da Silva, veterinário.
Peão de boiadeiro, Serrinha acompanhava as boiadas até o interior de São Paulo, como Barretos, e não se casou.
Também peão de boiadeiro, Adolfo Ferreira de Oliveira, quando solteiro, era mais animado, gostava de jogar e da bagunça que faziam na praça da Igreja, que tinha uma grande paineira, quando bebiam e se excediam. Numa dessas noites, debaixo de uma barriguda, jogo de búzios, Adolfo ganhou, Aarão Gabriel questionou e da discussão partiram para a briga. Armados, cada um sacou de seu revólver e começaram a atirar para o alto. Um dos tiros acabou acertando uma moça e a partir daí se formou uma grande confusão. Adolfo, sem saber o que fazer, pegou a estrada e foi parar em Aurilândia, onde se estabeleceu, conheceu Leonízia, filha do tio Ovídio Ramos, casaram-se e tiveram os filhos Leodolfo, agrônomo; Adolízio; Maria Aparecida, já falecida; e Vânia, professora de Educação Física da Escola Superior de Educação Física do Estado de Goiás (Esefego).
Teodomira Luiza de Oliveira casou-se com o mineiro Ildebrando Narciso dos Santos (Nenem Quirino), comerciante, que trabalhava na pedreira do Lajeado e depois comprou um sítio. Tiveram quatro filhos: Idelmira de Fátima dos Santos, que se casou com Antônio Caetano Bento; Regina de Fátima dos Santos, casada com o advogado Milton Ferreira; Ana Luiza dos Santos Machado, casada com Carlos Antônio Machado, motorista de van; e Maria Aparecida dos Santos, contabilista no Posto Pio XII, casada com Wagner Donizeth de Araújo.
Uma das primeiras professoras da zona rural de Goianira, Ana Luíza casou-se com Expedito Osório da Silva, que tinha uma fazenda muito boa, com 50 alqueires, e fazia gambira de gado. Tiveram três filhos: Darci, Ana Madalena e Américo Osório, médico.
Onofra Luíza de Souza, professora, casou-se com Walter de Souza, que tinha o apelido de Sinhôzinho e era filho do Antônio Baiano, tinha um caminhão mais usado e fazia frete. Depois, mudou-se para Goiânia, aposentando-se no Serviço Público. Tiveram dois filhos: Sílvia Goreth de Souza e Carmem Lúcia de Souza, professora do Colégio ‘José Lobo’.
(Este artigo integra o livro “São Geraldo / Goianira – O surgimento do povoado e a trajetória de pioneiros. Documentos registram a construção do distrito e da cidade”, do jornalista Jales Naves, a ser lançado ainda este ano pela Editora Naves).