“Os Varões Assinalados” recria o episódio histórico da Revolução Farroupilha — levante da elite do Rio Grande do Sul contra a corte brasileira
A revisão da história do Rio Grande do Sul a partir de anotações extraídas de documentos oficiais, mais especificamente do lado que perdeu a batalha final, é a base do livro “Os Varões Assinalados”, romance do escritor gaúcho Tabajara Ruas sobre a Guerra dos Farrapos. Mais longa guerra civil da história brasileira, também conhecida como Revolução Farroupilha — farrapos ou farroupilhas eram chamados todos os que se revoltaram contra o governo imperial —, aconteceu de 1835 a 1845, naquele Estado, e foram quase oito anos ininterruptos de lutas. Na verdade, um dos muitos movimentos liberais que sacudiram a Regência na primeira metade do século 19, foi de fato a primeira experiência republicana em território do Brasil.
O livro traça um roteiro que insere o leitor no momento histórico desse levante das classes dominantes gaúchas contra a autoridade política da Corte brasileira, com críticas à ação dos governantes de então — na região não havia uma escola pública, uma ponte construída ou uma estrada em boas condições. Num lance ousado, a insurreição culminou com a proclamação, em 1836, da República Rio-Grandense (República do Piratini), pelo intrépido general farroupilha Antônio de Souza Netto, grande estrategista militar, comandante dos valentes 300 integrantes do Corpo de Lanceiros Negros e o segundo homem na hierarquia militar desse movimento.
Li o livro, e gostei muito, por indicação de um primo, Nilson Naves, do Paraná, a partir de um exemplar que me foi presenteado por outro primo, o advogado Rubens Naves, goiano há anos radicado em São Paulo, como parte da pesquisa que faço sobre a família Naves. O general Antônio de Souza Netto é tetraneto do português João de Almeida Naves, que chegou ao Brasil em 1660, aproximadamente.
Bem escrito, relata detalhes interessantes, ao resgatar figuras importantes desse momento, recolocando os fatos e dando uma nova dimensão ao episódio. O que deveria ser feito com tantos outros momentos da história nacional, e mais especificamente de Goiás, que é pouco conhecido. Na verdade, nem heróis temos, por puro desconhecimento de nossa história. Falta, inclusive, um livro contando, de forma didática, a história de Goiás, do início aos dias atuais, numa linguagem acessível e clara, como há sobre outros Estados brasileiros.
Nesse aspecto, o Rio Grande do Sul serve de exemplo, pois se conhece detalhes de grandes instantes daquele Estado, inclusive de forma romanceada. Revisa o conceito de que o brasileiro é pacífico, até acomodado, quando não é verdade, diante dos muitos movimentos de revolta, muitos ainda pouco conhecidos, e até mesmo contados só na visão oficial, dos vencedores.
Na apresentação do livro, o escritor Paulo Seben, doutor em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, lembra as muitas guerras longas e cruentas travadas no próprio Estado desde o século 18, com o desmantelamento das missões jesuítas, passando pela Guerra da Cisplatina (1825-1828), a Guerra dos Farrapos, a Guerra do Paraguai (1864-1870), o episódio dos Muckers (1874) e a Revolução Federalista no século 19, ou os movimentos federalistas da virada do século 19 para o 20 também em outras regiões. Registra que foram predominantemente gaúchas as tropas que massacraram os rebeldes do Contestado (1912-1916) e de Canudos (1896-1897), que trilhavam o Brasil na Coluna Prestes (1925-1927), que venceram a Revolução de 30 e a Revolução Constitucionalista de 32.
Inicialmente nem todos eram republicanos e separatistas, mas os acontecimentos e os novos rumos do movimento conduziram a esse desfecho. O Rio Grande do Sul estava esgotado pela sequência de guerras, a última das quais tinha sido a campanha da Cisplatina, com as estâncias e charqueadas produzindo pouco, com os rebanhos esgotados e sem que o Império brasileiro pagasse as indenizações de guerra, apesar de locupletar-se com as exportações de café e açúcar do centro do País. Os impostos sobre o gado em pé e sobre a arroba de charque — principais produtos da Província — eram escorchantes.
O livro oportuniza conhecer passagens fantásticas da história brasileira, desnudando seus líderes, com suas opiniões, seus ideais e incompreensões da parte da corte brasileira. Mostra as contradições e dúvidas dos líderes desse movimento militar, os ganhos e perdas dos dois lados, e que a guerra beneficiou determinados setores e líderes, inclusive dos revoltosos. Nem todos os líderes revolucionários eram favoráveis à República, e foram induzidos para essa forma de luta fratricida por decisões nem sempre unânimes. Os idealistas queriam uma república plena de justiça social, sem trabalho escravo e com ensino amplo e obrigatório.
Tabajara redimensiona alguns personagens determinantes desse período, como o regente, padre Diogo Feijó, que escolheu um interventor que, já sabia, não buscaria conciliar os lados; os generais Bento Gonçalves, grande líder farroupilha, e Bento Manuel, este jogando dos dois lados, e ambos, ao mesmo tempo, juntos e distantes, admirando e prejudicando um ao outro ao longo dessa batalha; o capitão Giuseppe Garibaldi, comandante naval da República Piratini; e até mesmo o então Barão de Caxias, general Luiz Alves de Lima e Silva, já consagrando a sua carreira militar.
É uma lição de história, que permite às novas gerações uma outra visão desses episódios, inserindo-os na história do País numa nova perspectiva, mantendo as contradições, e reafirmando a determinação e a luta do brasileiro.
É uma nova leitura da história, que fazia falta.
Artigo publicado pelo “Jornal Opção”, de Goiânia, GO, edição nº 1.784, de 13.09.2009, Pág. A-4 do caderno “Opção Cultural”.