Quem se dispuser a escrever em detalhes a história de Goiânia vai se deparar com problemas de toda ordem e que, aparentemente, não se justificam, diante do fato de que tudo começou há pouco mais de 60 anos e, portanto, é tudo muito recente.
As dificuldades são maiores do que se pode imaginar em todas as áreas.
De um lado, o poder público simplesmente não conta com um Arquivo Histórico Municipal, e o Centro de Documentação que fica na Vila Aurora não pode ser considerado dessa forma. Ali, os documentos que existem não estão catalogados e, sim, espalhados num grande galpão, num espaço de mais ou menos 800 metros quadrados, sem qualquer cuidado em sua preservação, em pastas ou jogados pelo chão, deteriorando-se, num verdadeiro acinte ao bom senso.
Não se sabe, ao certo, quais documentos estão ali, e nem existem técnicos especializados para organizá-los e nem para atender o pesquisador, dar-lhe as informações de que necessita ou oferecer qualquer orientação a respeito.
De outro, não há uma política oficial e nem a preocupação com a guarda e mesmo a preservação da documentação histórica. Aliás, grande parte dela já se perdeu, numa enorme irresponsabilidade.
Se for documento do início da construção de Goiânia, então, o problema se complica. Não há nada em lugar algum e ninguém para auxiliar a quem se dispuser a essa aventura, tão necessária quanto imprescindível para o conhecimento de nossa história e sua preservação.
Se a intenção for discorrer sobre o município de Campinas, então, a tarefa será ainda mais ingrata: não há um documento sequer, onde quer que seja, a respeito. Tudo simplesmente desapareceu e não há quem possa indicar onde se poderia achar qualquer documento referente à cidade que deu origem a Goiânia.
Há seis meses assumi a disposição de escrever sobre o distrito de São Geraldo, que pertenceu a Campinas e depois foi incorporado à nova Capital, antes de se emancipar, por iniciativa do vereador José Rodrigues Naves Júnior, em 1958.
Não tem sido uma tarefa fácil encontrar documentos. E ali a história é ainda mais recente.
Há poucos dias tive a oportunidade de ler ‘História da Terra Branca e Outras Coisas Mais‘, um rico e detalhado histórico de Goiandira, muito bem escrito pelo procurador de Justiça do Estado aposentado, Vivaldo Jorge de Araújo. Ele foi muito feliz ao colocar, no prefácio, uma frase muito expressiva, a propósito dessa situação de Goiânia: “Um povo sem memória é um povo sem cultura e sem história”.
É o que se pode dizer, principalmente agora, quando haverá eleição para Prefeito e para vereadores, e não se vê, da parte dos candidatos, qualquer referência à preservação da memória da Capital, o resgate de sua história.
Nesse trabalho de coleta de informações já estive no Arquivo Histórico do Estado, na Procuradoria-Geral do Estado, na Assembleia Legislativa do Estado, no Gabinete Civil da Governadoria, na Procuradoria-Geral do Município, no Centro de Documentação do Município de Goiânia, no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, na Congregação do Santíssimo Redentor, nas Prefeituras de Goianira e Trindade, no Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos Brasil Central da Universidade Católica de Goiás (UCG), na Câmara de Goiânia, no Museu Pedro Ludovico Teixeira, na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), na Agência Goiana de Transportes e Obras Públicas (Agetop), na Secretaria Municipal de Educação, na Secretaria de Educação do Estado, enfim, estive em todos os locais onde se deveria encontrar essa história de forma detalhada e rica.
Mas, qual não foi minha surpresa, tenho encontrado pouquíssima informação. No Gabinete Civil foi possível obter parte da documentação de Goiânia, mas ali está a exigir uma preocupação maior do Governo do Estado para preservar o que ainda existe, como a reedição das leis e decretos, e do ‘Correio Oficial’ do Estado, depois ‘Diário Oficial‘. Na UCG, o trabalho de estruturação de um centro de documentação se encontra em fase avançada e deverá se constituir em referência na área; e na Congregação se conhece a trajetória dos padres redentoristas em Goiás. Na Câmara é possível encontrar a documentação de Goiânia referente ao trabalho dos vereadores a partir de 1947.
Um único livro, de Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro, ‘Como nasceu Goiânia‘, cuja primeira edição foi composta e impressa na gráfica da ‘Revista dos Tribunais‘, em São Paulo, em maio de 1938, já reeditado, hoje é referência para tudo, inclusive para a recomposição da história da nova Capital, pois foi a única autora que se preocupou em reproduzir leis, decretos e relatórios daquele início de Goiânia. Faltaram muitos outros, é claro.
São Geraldo, que posteriormente passou a se chamar Goianira, muito contribuiu na construção de Goiânia, no fornecimento de matéria-prima, como madeira, brita, meio-fio, paralelepípedo etc., de alimentação aos operários e de mão-de-obra.
São histórias que se entrelaçam e que devem ser resgatadas, preservadas e divulgadas, para que possamos nos conhecer melhor, quem foram os pioneiros, o que fizeram, a sua contribuição, enfim, num resgate da própria cidadania.
É importante, portanto, aproveitar este momento eleitoral para incluir, entre as preocupações dos candidatos, a de lutar pelo resgate e preservação da memória da cidade. É fundamental a definição de uma política cultural clara e objetiva, que privilegie a recuperação da documentação, a coleta de depoimentos daqueles que participaram desse momento importantíssimo de nossa história recente. Enfim, que se comece agora essa batalha para preservar o que ainda for possível da nossa história e, a partir daí, começar pelas escolas um trabalho de divulgação desse rico período.
Afinal, um povo sem memória é um povo sem cultura e sem história.
(*) Artigo do jornalista Jales Naves, publicado no jornal “O Popular“, de Goiânia, GO, edição de 13.09.2000, pág. 8/Opinião.
Muito bom o texto. Porque senti que existe poucos materiais bons sobre a história de Goiânia. Incrível como exista essa lacuna até os dias atuais, a história é recente, precisa ser registrada o mais rápido possível com qualidade de detalhes e imagens!