Chaul expondo sua discordância com a decadência de Goiás após a mineração (Foto de Nelson Santos)

 

A história de Goiás tem sido contada, ao longo dos anos, com base nos relatos dos viajantes europeus que penetraram o sertão goiano no século XIX, e sedimentaram a representação da decadência da Província, imagem repetida por Governadores da época para justificar suas má gestões. O professor doutor Nasr Chaul não concorda com essa narrativa, explicando que essa visão europeia, orientada pelas ideias de progresso e modernidade, ofuscou a percepção e impediu que se vislumbrasse o ritmo da sociedade goiana no período pós-mineratório. A contestação foi feita no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, na manhã desta quinta-feira, dia 6, dentro do Ciclo de Palestras Audiovisuais, com o tema “Goiás, da construção da decadência aos limites da modernidade”, que o escritor realiza, com apoio do Fundo de Arte e Cultura de Goiás, quando mostra seus dois lados, de historiador e de compositor, ilustrando suas observações com canções de sua autoria.  

Como explicou, apesar do aparente marasmo, não houve retrocesso: Goiás conduzia sua agropecuária e imprimia seu desenvolvimento conforme suas necessidades e dimensões de tempo e progresso. Destacou que a criação de gado foi uma atividade que precedeu a mineração, mas só ganhou importância e dinamismo com o esgotamento das minas, e que a crise do ouro favoreceu a sua expansão, “que garantiu a boa sobrevivência da sociedade”. De antiga existência, a pecuária foi capaz de superar as carências econômicas de Goiás no período, rompendo com as barreiras impostas pelas comunicações, uma vez que o gado se auto transportava. A atividade abriu as fronteiras ao posterior florescimento da agricultura do cerrado, em níveis de exportação para o território nacional.

 

Reconstituindo caminhos

Para defender sua opinião, o historiador reconstituiu os caminhos dos viajantes que indicaram a quadro negativo em seus relatos, diários de viagem, desenhos e ideias diversas que se fixaram no tempo e na história da terra goiana, esclarecendo que tiveram como referência a sua realidade, uma visão europeia sem relação com o que estavam conhecendo. “Entre feitiços e lendas, migalhas civilizatórias e anseios de progresso”, coletaram uma verdadeira multidão de imagens sobre o ócio, marasmo e carências, que procuravam fazer Goiás girar em torno dessa questão. “Claro está que a forma mais usual encontrada pelos Governadores da Província goiana para justificar suas péssimas administrações e suas infrutíferas tentativas de coibir o contrabando de ouro eram os repetitivos reclames a El-Rey, definindo Goiás como a terra da decadência e de outras negatividades”, afirmou.

Ressaltou que a agricultura sempre esteve presente no espaço goiano. Se não tinha objetivos de produção para exportar era porque a região não encontrava estímulo para dinamizá-la além da necessidade de subsistência. “Produzir para sua auto sustentação, aos níveis de suas necessidades, dentro de suas possibilidades de transporte e satisfação econômica, não significava decadência ou atraso”; era uma afirmação dessa sociedade, que se motivava de acordo com seu ritmo e não ao compasso das relações capitalistas europeias mais desenvolvidas.

Foi essa produção, considerada por muitos decadente e atrasada, conforme explicou, que a sociedade goiana pôde atingir a capacidade produtiva exigida pela penetração dos trilhos da estrada de ferro em 1913. “Se não tivesse havido um desenvolvimento satisfatório, por que razão teriam se expandido os meios de transportes férreos? Foram os níveis satisfatórios de produção que permitiram atender ao boom econômico da agricultura goiana após a introdução desse sistema de transporte”. “O crescimento da produção não veio com a estrada de ferro, dinamizou-se, em grande parte, graças a ela”. esclareceu.

Quanto ao tema da decadência, observou que o termo, decantado pelos viajantes, não encontrava correspondência na sociedade local, distante ainda dos moldes de produção capitalista, que os europeus ansiavam por ver no sertão de Goiás. Para ele, a população não era indolente, ociosa e muito menos decadente. “Apenas orientava-se por outros níveis de preocupações e buscava satisfazer necessidades vitais à sua maneira”.

 

Primeira República

A sociedade goiana da Primeira República, conforme disse, não era atrasada, pois essa representação do atraso foi fruto de uma visão acadêmica. “A documentação da época, em momento algum, permite concluir que a sociedade poderia ser considerada atrasada. Pelo que pudemos constatar, desde as notícias de jornais às opiniões expressas nas Câmaras Legislativas, a sociedade goiana da época encontrava-se em fase de desenvolvimento e tinha para isso razões reais”, explicou. Crescia a produção agropecuária, a população aumentava, embora timidamente, e os políticos goianos apareciam, no cenário nacional, de forma nunca antes experimentada. Citou Leopoldo de Bulhões, que chegou a ocupar por duas vezes o Ministério da Fazenda nesse período.

“A representação do atraso, siamesa da decadência, não correspondia ao desenvolvimento social, político, econômico ou cultural de Goiás, vivenciado na Primeira República”, afirmou. “Novamente insistimos que o compasso era outro, adequado à cultural local. O desenvolvimento obtido por Goiás, na época, foi infinitamente superior ao do período anterior, mas inferior, ainda, aos anseios de progresso exigidos pelos olhares que comparavam à dinâmica econômica e social do centro-sul do Brasil”.

 

Nem decadente nem atrasado

Goiás não era nem decadente nem atrasado, “apenas caminhava de acordo com suas possibilidades, no ritmo estabelecido pelo lugar que ocupava no conjunto da sociedade brasileira”, ressaltou. “As contradições e contrastes regionais neste país são de natureza similar às que caracterizam a diferença entre os países mais e menos desenvolvidos; em última instância, reproduzem as tradicionais contradições campo x cidade”.   

A ideia de que as oligarquias da Primeira República tentaram, de todas as formas, conter o progresso, mantendo o atraso da região para melhor governar, também não se justifica. “O símbolo do progresso da época, a estrada de ferro, não trouxe nenhuma derrocada aos grupos políticos dominantes e nem lhes foi economicamente prejudicial; pelo contrário, desenvolveram-se charqueadas e dinamizaram-se as atividades ligadas à agropecuária em geral, com a instalação dos trilhos”, completou. 

   Os presentes à palestra (Foto de Nelson Santos)

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