O jornalista e escritor Iuri Godinho fez uma resenha do livro, com comentários, que amplia a proposta da obra: conhecer o ex-governador Otávio Lage, que estivesse vivo estaria com 90 anos, e discutir a sua obra, em todos os níveis. Foi um governo modernizador, que investiu em obras necessárias e implantou as bases para o desenvolvimento. Empreendedor, buscou os avanços tecnológicos quando administrou o Estado e depois nas suas atividades, como pioneiro em diversas áreas.

Iuri Godinho no Facebook:  ÓTIMA BIOGRAFIA DE OTÁVIO MOSTRA QUE NEM TODO APOIADOR DO REGIME MILITAR TINHA CHIFRE E RABO

Demorou mais de 200 anos desde o primeiro governador de Goiás, para um deles ganhar uma biografia decente. “Otávio Lage – Empreendedor, Político, Inovador”, do jornalista Jales Naves, cumpre a tarefa. Mauro Borges tem uma autobiografia bem-feita, editada pelo mestre Luiz de Aquino. Idem Pedro Ludovico. Marconi Perillo possui um arremedo de bio, “O Moço da Camisa Azul”. E não há muito mais além disso. 

O livro de Jalles logo no início demole dois mitos: a da culpa e participação de Otávio na cassação de Iris Rezende e no fechamento da Assembleia no final dos anos 60. Como o ex-governador contava, essas decisões diziam respeito exclusivamente ao governo federal, na época nas mãos dos militares. Um chefe de Estado pouco conseguiria fazer. Ainda assim, o Otávio governador não poderia ser chamado de civilista – como afirmou seu filho, também chamado Jales. Mesmo eleito pelo voto direto, o conceito de civilismo — “doutrina política exercida por civis” — não podia ser aplicado a um país governado pelas Forças Armadas, sem eleições — como aconteceu a partir de 1966 — e com mandatários que tomaram o poder pela força das armas.

Mas essas são pequenas interpretações que não tiram o fôlego da obra, com tiragem inicial de inacreditáveis e bem-vindos cinco mil exemplares, que tem lançamento na quinta-feira (3 de abril), no Palácio das Esmeraldas. Da mesma forma, a não adaptação do texto à recente reforma ortográfica — Assembleia, por exemplo, continua acentuada — não compromete.

Otávio Lage nasceu rico. O pai, político influente, deputado federal, empresário de sucesso, lhe deu tranquilidade para escolher o futuro com recursos materiais. Otávio era imparável. Dirigia trator, carro, avião. “Dirigia” cavalo. Sempre olhava para a frente, não guardava mágoas. Gostava de fazer, criar, progredir. O típico do empreendedor. Com 17 anos engravidou uma mulher que tinha um caso com ele e o irmão. O pai criou o garoto como filho e só recentemente um exame de paternidade comprovou que ele era mesmo filho do ex-governador. Otávio reuniu a família e anunciou que reconheceria o filho e dividiria a herança. O autor diz que o comunicado foi recebido sem maiores contestações. 
Jales Naves também me afirmou não ter encontrado nada que desabonasse o ex-governador, certamente um exagero — não existe ser humano sem (muito) defeito. Da mesma forma que não deve ser real que Goiás era o segundo Estado mais pobre da Federação no final da década de 60, perdendo apenas para Mato Grosso, como diz o autor.
Quando Lage ia entrar para a política, seu pai avisou: “se você não se importar em ser xingado, acusado de ladrão, vá em frente”. Prefeito de Goianésia, timidamente teve o nome lançado como candidato a governador, enfrentando políticos tradicionais. Com a ajuda do pai, comeu pelas beiradas do partido. Desacreditado a princípio, conseguiu a indicação. Otávio contava que era intenção dos militares não permitir a continuidade das oligarquias no Estado. Nem Caiado e nem Ludovico deveriam disputar o pleito de 1966.
Na campanha, entrava nas cidades dirigindo trator, usava chapéu de palha para se aproximar do homem do campo. Seu concorrente, o médico Peixoto da Silveira — pai de Flávio Peixoto e PX Silveira, avô de Thiago Peixoto —, segundo Jales, vivia engomadinho metido num terno e gravata e só com muito custo aceitou tirar a gravata. Às vezes evitava o contato com o povo dizendo estar resfriado.

Mesmo assim a eleição foi duríssima. Houve várias acusações de fraude. Peixoto ganhou e não levou, diziam alguns. Jales Naves cita rapidamente a polêmica, mas parece não ter encontrado provas de irregularidades.

Empossado governador (1966-1971), Otávio usou a cabeça de empresário. Estranhou que na política tudo tinha de ser discutido, negociado, enquanto na vida empresarial bastava mandar. Com a cabeça de homem de negócios, investiu em educação, estradas e energia. Hábil, não criou atrito público com os militares. Contra a vontade de Castelo Branco, lançou o nome de Costa e Silva como o próximo presidente — o que acabou acontecendo —, enquanto Castelo preferiria a volta de um civil. Se a informação for aprofundada, há a possibilidade de se confirmar ou não a importância dessa ação de Otávio para a continuidade do regime militar.

Ainda governador, viabilizou a construção do Prédio dos Jornalistas, no Setor Coimbra. Morei no bairro durante toda minha juventude e os únicos futuros colegas que via por ali eram Armando Accioly e João Batista Alves Filho. Aquilo me intrigava. O livro de Jales explicou. Os apartamentos foram vendidos em excelentes condições aos jornalistas que, espertamente, tão logo pegaram as escrituras trataram de vender os imóveis a preço de mercado. Um belíssimo mau exemplo.

Em 1982 Otávio voltaria para enfrentar o que se chamava no seu partido, o PDS, de “vingança”, ou seja, a candidatura de Iris Rezende nas primeiras eleições depois do hiato causado pelo golpe militar de 1964. Sabia que seria uma disputa dificílima, com o povo cansado dos militares e de seus candidatos. Perdeu feio, mas para ele não importava muito, pois tinha uma vitoriosa vida empresarial para tocar.

Quando tinha 81 anos, antes das 8 da manhã saiu para trabalhar dirigindo o próprio veículo. Bateu na traseira de um caminhão que também ia para sua empresa. Morreu do mesmo jeito que o pai e com a mesma idade.

Políticos que apoiaram o regime militar, como Otávio, são ainda demonizados, embora tenhamos tido excelentes governadores, como Irapuan Costa Júnior e Leonino Caiado — para ficarmos apenas em dois exemplos. Livros como o de Jales restabelecem a verdade histórica e devem ser saudados com festa e foguetes.

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